Universidade Federal Fluminense
Projeto Geografia do Rio de Janeiro: cenários atuais e futuros
Resumo do Texto: Reflexões acerca da política de segurança nacional: alternativas em face das mudanças no Estado.
Autores: Octavio Penna Pieranti[1], Fabio dos Santos Cardoso[2], Luiz Henrique Rodrigues da Silva[3].
Fonte: www.scielo.br/pdf/rap/v41n1/03.pdf
Último acesso: 24/08/2011
Palavras-chaves: políticas públicas; segurança nacional; defesa nacional.
1. Introdução
Desde 1988, a Constituição Federal redefiniu o papel das Forças Armadas e sua participação na administração pública brasileira. A nova Carta Magna revisou não apenas o papel dessas estruturas, como também forçou reformulações na política de segurança nacional, posta em prática por um regime democrático. Este artigo analisa essa política, tendo em vista a relação entre a sociedade civil, o Estado e as Forças Armadas.
No Brasil, a política de segurança nacional é formulada pelo Poder Executivo, porém requer uma cooperação do Poder Legislativo quanto à disponibilidade de recursos orçamentários.
2. O papel do Estado brasileiro
Desde a assinatura do Tratado de Westfália de 1648, o Estado possui atribuições exclusivas como o monopólio do uso da força e o estabelecimento e manutenção da ordem e paz social. Mas, o Estado tem sofrido diversas transformações no que se refere às suas atribuições e atividades junto à sociedade. Tais modificações refletem-se na redução do poder econômico e político do Estado, considerado ente soberano.
No cenário brasileiro é possível identificar a existência de um Estado nacionalista entre as décadas de 1930 e 1950, durante o governo Getúlio Vargas. Nessa época, as questões orçamentárias e relativas a gastos públicos eram centralizadas pelo Poder Executivo. Apenas entre 1945 e 1954 o Poder Legislativo passa a dispor de limitada participação na elaboração do orçamento federal, permanecendo, como responsabilidade do presidente da República, a decisão de como e quando seriam feitos os gastos públicos.
O governo JK possuiu, ainda, como traço marcante, a continuidade do distanciamento entre os poderes Executivo e o Legislativo no processo de tomada de decisões políticas. Parcelas significativas das decisões governamentais eram tomadas com base em propostas dos grupos de trabalho que assessoravam o presidente da República naquele governo.
Com a ascensão do regime militar em 1964, verifica-se a centralização das decisões referentes a assuntos estatais unicamente no Poder Executivo, responsável por aprovar e determinar o orçamento do governo federal para cada ano.
Com o início do governo de José Sarney em 1985, o Estado brasileiro começou a sofrer um processo de reforma e revisão do seu papel perante a sociedade. Este processo tem início, devido à influência das mudanças ocorridas na Grã-Bretanha e EUA, respectivamente nos governos de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, no que se refere à mudança de um Estado promovedor de bem-estar social (welfare) para um Estado com estrutura mínima, cujas ações seriam de cunho regulatório, normativo e tributário.
As reformulações sofridas pelo Estado nas últimas décadas afirmam que o processo político sofre ineficiências na sua execução. Elas ocorrem devido aos políticos, que buscam adotar práticas que possibilitem sua manutenção em cargos públicos. Os gastos públicos são baseados em uma incoerência de alocação de recursos, nos quais custos são separados de benefícios. Assim, a sociedade tem seus recursos captados mediante impostos de maneira dispersa, financiando gastos públicos que pouco a beneficiam.
3. A política de segurança nacional durante o regime militar
O Estado brasileiro ainda começava a ser marcado pelo ideário desenvolvimentista, quando a temática da segurança nacional já era discutida com mais intensidade dentro das unidades militares. Justificava-se, pois, qualquer atitude do governo, se posta em prática em prol da segurança nacional. Dever-se-ia evitar a guerra, mas, caso necessário, não se poderia hesitar em empreendê-la, já que, no mundo marcado pela Guerra Fria, ameaças externas e internas confundiam-se.
Para o regime militar, o conceito de segurança nacional foi reinterpretado. Não bastasse sua proximidade com as Forças Armadas, ora deixando os principais cargos do governo federal, a interpretação ainda vigente dependia de um Estado então em processo de intensa mudança.
4. As Forças Armadas e a segurança nacional após a redemocratização.
O processo de adequação das relações civis-militares, durante o período de redemocratização, foi marcado por uma lenta adaptação ao novo contexto político. A insegurança era a tônica, pois se tinha receio quanto a possíveis retrocessos que poderiam pôr a definhar o recém-iniciado processo de implantação da democracia. Esse foi um dos principais fatores que permitiram aos militares um grande espaço de atuação na condução inicial do país, no período que se estendeu de 1985 até o início do governo Collor.
O retardo na escolha de políticas a serem implantadas também contribuiu em muito para a lenta transição entre o regime militar e o governo civil, que assumia o poder àquela época.
Tal postura preservou os militares da radicalização dos debates, no âmbito político-partidário, sobre a sua inserção no novo regime, mas afastou também a possibilidade de mudanças mais substantivas na reordenação constitucional da função das Forças Armadas. A democratização adotada e a forma de tratamento do assunto segurança nacional no início de governo civil, em grande parte, refletiam a visão de planejamento estratégico militar, disseminada dentro da alta hierarquia do Exército.
A necessidade de se redefinir a função e o papel dos militares tornou-se mais evidente no contexto do processo constituinte, durante os trabalhos da Comissão Afonso Arinos, que apontavam a presença e a continuidade das prerrogativas militares como um dos problemas a serem resolvidos pelos setores empenhados em consolidar a democracia.
No seio das Forças Armadas, as mudanças já eram sentidas e já se começava a experimentar uma fase de crescentes exigências de adaptação, após 21 anos de permanência no centro do poder político. As mudanças ideológicas do mundo no pós-Guerra Fria e as condicionantes internas relativas à consolidação da democracia sugeriam ou mesmo impunham às Forças Armadas uma redefinição de seu papel político.
A extinção do Serviço Nacional de Informações (SNI) pelo presidente Fernando Collor de Mello pode ser considerada como marco inicial de uma lenta e, por vezes, descontínua elaboração de um novo perfil nas relações entre civis e militares. A preocupação central das Forças Armadas passou a ser a sua sobrevivência em face da nova Constituição Federal, que determinou que os gastos orçamentários passariam a ser apreciados pelo Congresso Nacional.
As políticas macroeconômicas do governo Fernando Henrique Cardoso trouxeram para o contexto brasileiro o conceito de Estado mínimo e formularam a política administrativa contida no Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado. As Forças Armadas, atentas às tendências de mudança, viram no novo conceito e em suas implicações a oportunidade de promover a sua própria adaptação ao novo cenário brasileiro externo e interno.
E essas ações surtiram um grande efeito sobre a administração do contingente militar, refletida, por exemplo, na aplicação dos conceitos de qualidade e análise e melhoria de processos, a fim de permitir a redução dos gastos com burocracia. Houve, também, a implantação nas Forças Armadas de conceitos reformadores, principalmente por se tratarem de estruturas organizacionais militares, como o das organizações militares prestadoras de serviço (OMPS).
A despeito de todo o esforço, as restrições orçamentárias continuaram fortemente presentes e crescentes, impostas pelos principais gestores econômicos dos governos democráticos que se seguiram, os quais, aparentemente, não eram dotados de uma visão de longo prazo sobre questões estatais e nacionais, entre as quais se incluíam as demandas militares. Essa situação levou os ministros militares a reivindicarem junto ao governo uma maior atenção às necessidades orçamentárias, por sentirem estar no limite do aperto orçamentário, enfrentando cortes profundos nos investimentos e com repercussões nos custos correntes.
Apesar dos avanços alcançados no relacionamento entre civis e militares, o debate sobre a defesa nacional não pode ser considerado findo, pois dele depende o compromisso da sociedade e do Estado quanto a esse assunto e a compreensão da importância da destinação de recursos para esse fim.
5. Conclusão
As transformações na interpretação do papel do Estado nas últimas décadas geraram conseqüências em campos diversos da política brasileira. Entre os setores atingidos pela redução dos investimentos feitos pelo ator estatal, está a segurança nacional. Cortes no orçamento forçaram as Forças Armadas a planejar melhor os seus gastos, apostando em programas de qualidade e na eficiência de seus projetos. Essas medidas refletem, porém, uma tentativa de adaptação ao novo contexto sem aumento da vulnerabilidade da segurança nacional.
Programas desse tipo apostam, ainda, na conscientização da sociedade civil sobre os problemas referentes à segurança nacional. A certeza de cooperação por parte dela, nesse sentido, baseia-se em um respeito contínuo das Forças Armadas às regras democráticas, desde que findo o regime instalado em 1964.
Como a defesa da nação não é atividade econômica que possa ser explorada pela iniciativa privada, cabe ao Poder Executivo garanti-la e ao Poder Legislativo discuti-la e, depois, apoiá-la, o que significa a necessidade de investimentos constantes em recursos humanos, estudos e renovação de aparato militar. A capacidade de adaptação das Forças Armadas ao corte desses elementos é limitada, como também é limitada a possibilidade de redução dos compromissos do Estado em determinados setores. Assim, por mais que o Estado se distancie do planejamento e do investimento em diversas áreas e mesmo que estabeleça uma política de cortes, não deve desligar-se de questões ligadas à segurança nacional.
[1] Jornalista e mestrando em administração pública na Ebape/FGV. Endereço: Ebape/FGV — Praia de Botafogo, 190, 5º andar — Botafogo — CEP 22250-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: Octavio.Pieranti@fgv.br.
[2] Administrador de empresas, funcionário dos Correios e mestrando em administração pública na Ebape/FGV. Endereço: Rua Barão de Mesquita, 380, ap. 707 — Tijuca — CEP 20540-003, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: Fabio.Cardoso@fgv.br.
[3] Administrador de empresas, capitão da Marinha brasileira e mestrando em administração pública na Ebape/FGV. Endereço: Rua Major João Gualberto Braga, 695 — Campo Grande — CEP 23092-520, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: luizmestradofgv05@yahoo.com.br.
OBS: O Artigo completo da presente resenha encontra-se no seguinte link:
www.scielo.br/pdf/rap/v41n1/03.pdf